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Crónica Acidental: ciclistas nas passadeiras de peões

Inauguro hoje uma nova “coluna” aqui no blog, “Crónica Acidental“, debruçada sobre relatos de acidentes que envolvem condutores de velocípedes. De vez em quando recebo pedidos de ajuda a avaliar a culpabilidade ou não de ciclistas em acidentes, consequência do meu envolvimento no estudo do Código da Estrada e sua aplicação aos condutores de velocípedes, e esforços activistas para a sua alteração (para melhor), aliada à minha actividade de formadora em condução de bicicleta. Enviem-me os vossos relatos de acidentes (a solo ou envolvendo outros veículos, incluindo velocípedes, ou peões) e/ou questões acerca do Código da Estrada, e eu terei todo o gosto em responder na extensão dos meus conhecimentos. E-mail: anapereira @ cenasapedal . com (tudo pegado, sem espaços).

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E-mail de 2012/8/14:

Depois de várias opiniões entre as mesmas incluem-se as de alguns agentes da autoridade, pretendo saber se ao circular de carro numa via publica me aparecer um ciclista a circular sobre uma passadeira de peões este tem a prioridade ou não?

Resposta:

É uma boa questão. 🙂

  1. Os velocípedes não podem circular pelos passeios (e, logo, pelas passadeiras). Contudo, por todo o país há ciclovias pintadas em cima dos passeios, legitimando assim esta prática e (des)educando as pessoas ao levá-las a acreditar que esta prática é a) correcta e b) legal.
  2. Um velocípede conduzido à mão é equiparado ao trânsito de peões (tal como o é os utilizadores de patins, trotinetes, etc).
  3. Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.
  4. Os condutores de veículos devem reduzir a sua velocidade na aproximação a passadeiras de peões e, se necessário, parar para deixar passar os peões que tenham iniciado o atravessamento.

Tendo isto em atenção eu arriscaria dizer que sim, um condutor de outro veículo deveria ter que deixar passar um condutor de um velocípede que circulasse, mesmo que ilegalmente, pelo passeio, mas é algo a confirmar com um jurista.

Turning vehicles into mobility-accessorized pedestrians

De qualquer forma, a circulação de bicicleta pelos passeios e passadeiras origina muitos acidentes. Quem o faz são normalmente pessoas sem preparação/formação/confiança para circular na estrada e/ou pessoas mais vulneráveis, nomeadamente crianças e outros utilizadores inexperientes. Fazem-no sem saber os diversos riscos a que estão expostos e a gravidades dos mesmos, e muitas vezes sem sequer saber as leis que estão a infringir.

Mas há que ter em atenção outra questão, as cidades portuguesas estão cheias de barreiras para quem se desloca de bicicleta (vias rápidas, sentidos únicos, etc), que levam as pessoas a procurar alternativas para ultrapassar esses obstáculos, o que pode levar a que “fujam” pelos passeios na falta de melhor opção…

E há ainda zonas em que as características das vias públicas e as condições do trânsito são tão hostis que a solução para quem não saiba lidar com isso, ou não queira sujeitar-se a esse ambiente, ou que circule com crianças ou seja ele próprio um utilizador vulnerável por via da idade, de algum problema de saúde, etc, acaba por ser refugiar-se no passeio.

É nossa responsabilidade, enquanto condutores de veículos automóveis formados e responsáveis pela operação de um veículo que é uma arma letal em potência simplesmente devido à massa que possui e, principalmente, à velocidade que atinge, tomar o máximo de cuidado para tentar antecipar este tipo de situações (ciclistas a circular pelas passadeiras pedonais) e tomar medidas que visem evitar acidentes ou aliviar as suas consequências – nomeadamente reduzindo a velocidade e prestando especial atenção às zonas de aproximação às passadeiras de ambos os lados.

A pena para a ignorância ou para a distracção não deve ser morrer atropelado. Os condutores de veículos capazes de causar maior destruição têm o dever ético, se não ainda legal, de adoptar uma atitude de precaução e cuidado para com os outros utilizadores mais vulneráveis. Com maior poder vem maior responsabilidade!

Por Ana Pereira

Instrutora de condução, formadora em segurança rodoviária, e consultora em mobilidade & transporte em bicicleta. Bicycle Mayor of Lisbon 2019-2020.

9 comentários a “Crónica Acidental: ciclistas nas passadeiras de peões”

O facto dum condutor dum automóvel circular protegido por uma armação metálica composta por modernos e eficazes sistemas de segurança passiva, em que a probabilidade de se magoar num choque a velocidades até 50 Km/h é quase nula, não lhe dá o direito de atropelar, magoar ou “matar” nenhum utilizador vulnerável que se encontre na via, quer esteja em cima da passadeira ou não.
É evidente que cada caso é um caso, mas o novo CE que veio consagrar a figura do utilizador vulnerável, fê-lo no sentido correcto de promover e aumentar a segurança das pessoas mais desprotegidas neste cenário da condução rodoviária, concretamente os peões, mas também todos os outros utilizadores da via pública, tais como: crianças e/ou adultos em trotinetes, bicicletas, triciclos segways etc etc.
Diria que, mesmo os animais têm o direito de não ser atropelados mesmo não escolhendo as passadeiras para a travessia das vias…felizmente vê-se muitos condutores a ter atitudes preventivas e prudenciais quando avistam um animal na berma da estrada, bom seria que tivessem a mesma atitude cuidadosa quando se deparam com peregrinos, peões, desportistas, ciclistas ou outros utilizadores vulneráveis na via. Nos EUA, havendo colisão entre automóvel e ciclista, a lei que prevê, há mais de 30 anos, uma espécie de presunção legal de culpa para o automobilista…com a evolução da mobilidade eléctrica e com a intervenção e educação dos mais jovens, penso que chegaremos lá!!!

O que foi dito é tudo muito bonito…..mas na prática um peão e um ciclista são completamente diferentes! enquando um peão aproxima-se de uma passadeira a uma baixa velociade o que dá tempo a um automobolista de se aperceber da sua aproximação e dar-lhe priorioridade. Em contrapartida os ciclistas porque pensam que têm prioridade aparecem de repente numa passadeira a uns 10/20/30 km a pensar que tem prioridade o que não dá tempo a um automobolista parar e dar- lhe prioridade.

Conclusão: estão sujeitos a levar com um carro em cima …..e agora?????

Desde 2013 que os condutores de qualquer veículo têm que ceder passagem aos condutores de velocípedes que estejam a atravessar numa passagem para velocípedes. Havendo o sinal no pavimento, é responsabilidade dos condutores de veículos automóveis prever a passagem de velocípedes nessas passagens e adequar a velocidade. Tal como o devem fazer no caso de uma passadeira de peões – onde ponde surgir uma criança ou qualquer pessoa a correr, logo, acima de 5 Km/h. A responsabilidade de não matar é de quem traz o perigo para a rua.

Com o (bom!) aumento do numero de utilizadores diários de bicicleta este tema é daqueles com maior aplicação prática. Verifica-se que mesmo quando a passadeira e o atravessamento da ciclovia, estão sinalizados separadamente, mas são paralelos e cruzam uma via com bastante movimento que der carros quer de peões, a utilização indiferenciada é o comum para bicicletas e peões. Exemplo da passagem do Campo Grande (Museu da cidade) para Campo Grande (interface de autocarros).

Ricardo, de facto partilhar passagens para peões com ciclistas não é de louvar. É perigoso e em Portugal um erro de projeto. Não leu com atenção o excelente texto da Cambridge Cycling Campaing – o exemplo que cita é uma exceção e não a regra. A passagens “Toucan” (um trocadilho para manter o nome de pássaros – “two can” “os dois podem”) é uma passagem semaforizada para peões e ciclistas. São a exceção, geralmente fora de zonas urbanas e a semaforização minimiza os perigos que refere a Ana. Mesmo assim, e como refere o artigo, a “Toucan” estão a ser gradualmente substituídas por passagens só para peões – precisamente pelo perigo que são. A outra exceção são as “Tiger” – muito poucas, em fase experimental e polémicas. Em todas as outras (99%?), é exigido que os ciclistas desmontem, tal como em Portugal. Mas o mais importante, como diz a Ana, é percebemos que um ciclista usar uma passagem para peões é uma atividade muito perigosa para ele e desconfortável para os peões.

Se a ciclovia é partilhada a passadeira terá de ser partilhada. Caso contrário ou os peões ou os ciclistas não têm como atravessar a estrada legalmente.

Num país tão atrasado em infra-estruturas para os ciclistas como Portugal as ciclovias e passadeiras partilhadas são de louvar.

Na imagem em causa, se a ciclovia não estivesse no meio do passeio mas junto à estrada e separada do passeio, a solução para peões e bicicletas atravessarem ali para o outro lado sem ser numa passadeira partilhada seriam duas passadeiras lado a lado, o que é ridículo. É claro que haveria outras soluções, mas a passadeira partilhada parece-me uma das mais simples e eficazes se as pessoas tiverem a educação apropriada para coexistirem.

O meu comentário sobre um ciclista que desmonta numa passadeira servia apenas para chamar a atenção para a futilidade de o fazer se pudermos ter passadeiras partilhadas. Isto porque em muitas situações o ciclista desmonta por 10 segundos apenas para poder mudar o estatuto perante o código da estrada e não porque se considere perigoso, seja para quem for, o ciclista atravessar a passadeira com os mesmos cuidados que o faz um peão.

O problema é que não há passadeiras partilhadas. Há passagens para peões e há passagens para velocípedes. Aos primeiros os veículos na faixa de rodagem atravessada têm que ceder passagem, aos segundos não, pelo nosso CE. Quem vai na estrada muitas vezes nem se apercebe se há ciclovias, partilhadas ou não, paralelas à estrada, em cima do passeio ou não, pelo que nas paasadeiras não esperam encontrar pessoas a deslocar-se a uma velocidade superior à dos peões – de bicicleta, anda-se facilmente a 4 x essa velocidade, e por isso acontecem os acidentes com ciclistas a passar passadeiras a pedalar, sem terem primeiro parado (este é que é o ponto fundamental, claro, não é o facto de fazerem a passagem a pé ou a pedalar).

Qualquer ciclista treinado em poucos segundos deixa de ser um cliclista para ser um peão com um velocípede na mão. E não penso que precisemos de um jurista para aferir se um peão com um velocípede na mão pode ou não passar a estrada como os outros peões. A questão é que a maioria dos ciclistas não está para perder tempo a desmontar da bicicleta. Legalmente talvez isto deva ser feito em Portugal, mas se em tantas outras cidades europeias se vêem peões e ciclistas a partilhar passadeiras, por que não olhar para a prática e ver se faz sentido fazê-lo cá também? Leitura recomendada: http://www.camcycle.org.uk/newsletters/71/article12.html “At a toucan crossing the red pedestrian and cycle signals are advisory and if it is safe one can cross even when it is red (on foot or on one’s bike).”

Ricardo, a questão era sobre a questão da cedência de passagem ou não a um ciclista e não a um peão (que é aquilo a que é equiparado uma pessoa com a bicicleta pela mão). Misturar peões e bicicletas é sempre de evitar. O problema aqui é que não devia haver situações destas, ciclovias, partilhadas ou não com peões, a acabar em passadeiras de peões. Há passagens para bicicletas contempladas no CE.

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