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Aumento de 268 % do tráfego de bicicletas em 1 ano

Houve um aumento de 268 % do tráfego de bicicletas em 1 ano, no cruzamento da Avenida Duque de Ávila com a Av. da República, em Lisboa. É o que se conclui comparando esta contagem pela Rosa Félix em 2017 com esta outra contagem do Zé Nuno, em 2018:

Fixe, não é? 🙂

  • 2017: 174 bicicletas particulares
  • 2018: 273 bicicletas particulares + 193 GIRA

Ou seja, houve um aumento, neste cruzamento específico, de 157 % de trânsito de bicicletas particulares, e de 268 % globalmente, incluindo as do bikesharing.

O que é que significa este aumento de 268 % do tráfego de bicicletas em 1 ano?

Significa que temos mais gente a usar a bicicleta na mesma rota neste horário (8h30-10h30) de um dia útil.

NÃO significa, necessariamente que:

O que é que pode explicar este aumento de 268 % do tráfego de bicicletas em 1 ano?

O tempo em Janeiro e Fevereiro foi semelhante, segundo o histórico, pelo que este não será um factor. 

Em 2017 o dia 22 de Fevereiro calhou a uma 4ª-feira, e em 2018 a uma 5ª-feira. Não temos dados para avaliar o impacto disto, mas da impressão que tenho de ver outros gráficos nacionais e internacionais, eu diria que até é provável que as 4ªas-feiras sejam dias mais movimentados (no geral, não só para quem vai de bicicleta) do que as 5ªas. Pelo que possivelmente esta diferença até pode ser maior entre 2017 e 2018.

“Culpados” prováveis:

  • a renovação do Eixo Central
  • o lançamento do bikesharing
  • a degradação do nível de serviço dos transportes públicos
  • o aumento de estrangeiros com o “chip” do uso da bicicleta já pré-instalado

Renovação do Eixo Central

A renovação do Eixo Central tornou a zona menos desconfortável e mais aprazível. No último ano teve tempo para ser melhor conhecida pela população – só nós, no âmbito do Recreio da Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal, fizémos vários passeios a divulgar rotas que a incluíam. E a área intervencionada alargou-se até ao Jardim do Campo Grande.

Passeio pelo novo Eixo Central | 11/03/2017

Estas intervenções no Eixo Central tornaram-no uma rota mais apetecível face às alternativas existentes (Lisboa continua a ser hiper-permeável ao automóvel…). Isto pode significar que não terá havido, necessariamente, um aumento do número de utilizadores de bicicleta, mas meramente uma agregação dos mesmos numa mesma rota. Não saberemos porque a Câmara Municipal de Lisboa não faz contagens de tráfego de bicicletas pela cidade que permita fazer avaliações do género. 

Contudo, Lisboa tem um contador de tráfego de bicicletas instalado na ciclovia da Avenida Duque de Ávila desde Fevereiro de 2016. Isto significa que já terão 2 anos de contagens – muito limitadas, claro, só num ponto da cidade, e só na ciclovia (não conta o tráfego na estrada ao lado), mas já é qualquer coisa.

Publicado por UpNorth – Intelligent Solutions Everywhere em Quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Infelizmente, ao contrário do município de Vilamoura, que tem um contador igual instalado na cidade a funcionar desde 13 de Abril de 2017 e que disponibiliza publicamente as contagens, Lisboa mantém as suas secretas. Seria bom que as incluíssem no Open Data Lx!

Por curiosidade, no mesmo dia das contagens do vídeo inicial, 22/2/2018, Vilamoura registou 166 bicicletas a passar no local monitorizado. Só daqui a uns meses se poderá analisar se também em Vilamoura haverá um aumento do trânsito de bicicletas no ponto estudado.

eco-totem bike counter contador bicicletas totem aumento de 268 % do tráfego de bicicletas em 1 ano

Sistemas de bikesharing

Entretanto, o sistema de bikesharing GIRA foi lançado no ano passado, em fase piloto, e chegou recentemente a esta zona da cidade. 

Sabemos pela experiência de introdução de sistemas de bikesharing noutros países, que este é um grande despoletador do uso da bicicleta, ao normalizá-la culturalmente, e ao reduzir as barreiras à entrada no mesmo. Assim, é natural que também em Lisboa o bikesharing, as GIRA e também os sistemas sem docas que estão a chegar à cidade, tenha um grande impacto a este nível. 

Outros factores

Finalmente, outras menos óbvias poderão ter contribuído para este aumento de 268 % do tráfego de bicicletas em 1 ano.

Coisas como a degradação do serviço no Metro, ou o influxo crescente de alunos, trabalhadores “nómadas digitais” e empreendedores estrangeiros, muitos que trazem com eles o hábito de andar de bicicleta.

E sabe-se lá mais o quê. É uma daquelas coisas que pedem a assistência do Freakanomics. 🙂

O que esperar do futuro?

Mantendo-se a tendência de aumento de bicicletas em circulação concentradas nas mesmas rotas, as coisas do costume. Mais colisões e conflitos associados ao aumento de utilizadores (na sua maioria sem formação em condução), aos ciclistas inexperientes que saltam logo para pedelecs, e até à estreiteza das ciclofaixas. Mais comportamentos não-ortodoxos (e mais quedas e colisões) à medida que as vias estreitas e a semaforização imperfeita frustra os ciclistas. A altura ideal para fazer este curso. 😉

Há sempre problemas para resolver. Mas ao menos que sejam fruto de algum progresso, como neste caso. 🙂

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Bikesharing sem docas

No início deste mês escrevi sobre as 6 razões para aderir ao bikesharing em Lisboa. Apesar de já se verem docas nas outras zonas a cobrir por este sistema de 3ª geração, além do Parque das Nações, onde o serviço já está em funcionamento, as bicicletas ainda não apareceram. Agora entrou em funcionamento um bikesharing sem docas, em Cascais.

O bikesharing sem docas chegou a Portugal pelas mãos da chinesa ofo

Entretanto, em Cascais, que também tem um sistema de bikesharing, apareceram esta semana 50 bicicletas da ofo (o nome visa lembrar a forma de uma bicicleta), um dos gigantes chineses das bicicletas partilhadas sem docas que têm invadido cidades por todo o mundo.

Estes sistemas são uma espécie de full circle, pois voltamos aos primódios dos sistemas de bikesharing, surgidos na Holanda nos anos 60, em que as bicicletas eram deixadas “por aí” para quem as quisesse usar, pegando numa onde a encontrasse e deixando-a no final onde lhe conviesse. Nessa primeira encarnação rapidamente os furtos e o vandalismo acabaram com a ideia, hoje em dia a tecnologia ajuda a minimizar isso, e torna mais fácil localizar bicicletas livres. Portugal não chegou a ter estes sistemas de 1ª geração, mas teve um de 2ª geração, as BUGAs.

Aparentemente o bikesharing sem docas da ofo será integrado na plataforma MOBICascais. Ainda não vieram para Lisboa porque consideram que só quando tiverem bicicletas eléctricas (no final de 2017) é que estarão preparados para tal. 

Em Cascais, a Ofo está disponível com 50 bicicletas sem assistência elétrica e sem caixa de velocidades. Para utilizar o serviço, é necessário descarregar a app para iOS e Android. Ao abrir a aplicação, é apresentado um mapa da vila com as bicicletas disponíveis (estas estão equipadas com um sistema de tracking por GPS). Depois de carregar no botão para desbloquear, o utilizador tem de introduzir o número da bicicleta ou então ler o código QR exibido por cima da roda traseira. A seguir, a aplicação dá o número para desbloquear o cadeado da bicicleta. A partir daí, pode utilizá-la e deixá-la onde quiser. O pagamento é feito através do cartão de crédito.

 

ofo cascais bikesharing
Fonte: Shifter

Ou seja, é preciso um smartphone (com bateria) e wifi ou dados móveis, e não dá para pensar em grandes subidas com isto (não têm mudanças!). 

Por outro lado, há muito maior liberdade no sítio onde a estacionamos e devolvemos ao sistema (e, com sorte e escala/dimensão suficiente, maior facilidade em encontrar uma bicicleta disponível ao pé de nós quando a queremos).

Custa 1 € por cada meia-hora (e, dizem eles, vai haver um sistema de créditos). A Shifter diz que «se quiseres uma viagem grátis, podes utilizar o código Y03CfF».

woman riding an ofo bike
Fonte: Dinheiro Vivo

Só não sabemos se será um sistema para ficar, uma vez introduzido por cá. Este tipo de bikesharing tem gerado grandes problemas noutras cidades, relacionado com a utilização desregrada de espaço público, e mesmo de abuso e de abandono de bicicletas no espaço público, e muitos questionam a sustentabilidade financeira destes sistemas…, sendo que se especula que o verdadeiro modelo de negócio não é o aluguer de bicicletas mas a aquisição e comercialização de big data recolhida dos padrões de utilizaçãodas bicicletas pelos utilizadores.

A minha esperança é que, a haver problemas de abuso do espaço público por cá isso sirva para despoletar uma conversa colectiva sobre a muito pior, mais perniciosa e omnipresente ocupação – legal e ilegal – do espaço público por automóveis privados

EDIT de 10/11/2017: A ofo veio à Web Summit falar disto tudo:

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6 razões para aderir ao bikesharing em Lisboa

Há 7 anos atrás escrevi sobre a importância do sistema de bicicletas partilhadas em Lisboa. É ainda uma boa leitura para se perceber qual o impacto que um sistema destes pode ter na cidade. Entretanto, aqui ficam:

6 razões para aderir ao Gira, o bikesharing em Lisboa


1 – Podes facilmente experimentar como é usar a bicicleta no centro de Lisboa.

Estudar a oferta do mercado, comprar a bicicleta e os cadeados, ter sítio onde a guardar em segurança em casa (e no trabalho/escola, etc), levá-la regularmente à oficina para a manter a rolar de forma segura e eficiente, acautelar a logística de a conjugar com o transporte público ou mesmo o carro, preocupares-te com a eventualidade de ta roubarem… Nopes, esquece isso para já.

Subscrever o passe anual ou mensal, levantar uma bicicleta numa estação próxima, ir aonde tens que ir, entregá-la noutra estação perto do destino e ir à tua vida sem voltares a pensar nela. Mais tarde podes voltar a usar o sistema, pegando numa bicicleta numa outra estação qualquer e entregando-a ainda numa outra, consoante o que dê jeito. 

Se nem te apetecer voltar de bicicleta, não há crise, usas outro modo qualquer. Afinal, não é como se tivesses levado a tua própria bicicleta.

A aplicação das GIRA para o smartphone mostra-te qual a estação mais próxima. E, claro, se tem bicicletas disponíveis para levantar ou docas disponíveis para receber bicicletas.

Docas do Gira
Fonte: SAPOtek. | Isto é uma estação, e cada uma destas estruturas é uma doca onde se encaixam as bicicletas quando não estão a ser usadas.

Não sabes andar de bicicleta? Não é problema, nós temos aulas de bicicleta para principiantes em Lisboa e Oeiras, bem como Almada e Cascais. E não, não é a mesma coisa que teres “aquele amigo que anda de bicicleta” a tentar ensinar-te. 🙂 Inscreve-te e em breve estarás a usar as GIRA da EMEL para praticar e passear

Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal - aulas de bicicleta para todas as idades
Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal – aulas de bicicleta para todas as idades

2 – Tens à disposição 1410 bicicletas, espalhadas por 140 estações.

Bom, para já tens apenas as 111 bicicletas e 10 estações do Parque das Nações, área da fase piloto. Mas a instalação de estações nas outras zonas da cidade já está em curso. Em breve estarão operacionais o total planeado de 1410 bicicletas distribuídas por 140 estações. Serão 92 no Planalto Central da cidade; 27 na Baixa e Frente Ribeirinha; 15 no Parque das Nações; e 6 no Eixo Central (que abrange as avenidas Fontes Pereira de Melo e da Liberdade.

Mapa estações bikesharing Gira
Fonte: jornal Público | Mapa das estações de bikesharing Gira

3 – Podes experimentar e usar uma bicicleta convencional ou uma com assistência eléctrica.

Tens 470 bicicletas normais e 940 bicicletas pedelec no sistema de bikesharing em Lisboa. Podes escolher uma convencional ou uma eléctrica consoante as necessidades ou preferências da hora. Curiosamente, mesmo num sítio plano como o Parque das Nações, 89 % das viagens da fase piloto foram em bicicletas eléctricas, mas estas são apenas 66 % da frota.

As eléctricas usam um motor dianteiro, o que te dá tracção às duas rodas (mas atenção especial ao circular por pisos escorregadios!).

Bicicletas GIRA - bikesharing de Lisboa
Bicicletas GIRA – bikesharing de Lisboa

4 – Aderir ao bikesharing em Lisboa custa só 25 € por ano, e a primeira meia-hora de cada viagem é grátis (até final de 2017).

Dentro de Lisboa poucas viagens de bicicleta levam mais de 60 min… Se precisares de mais que os primeiros 30 min gratuitos, mesmo assim só pagas 1 € pela segunda meia-hora.

A partir de Janeiro de 2018 a borla acaba, mas mesmo assim, se te restringires sempre a viagens de 30 min cada, pagarás no máximo 8 € por mês (a partir da 41ª viagem a primeira meia-hora é gratuita). E o sistema de bonificações permite-te trocar pontos por saldo que podes depois descontar na 2ª meia-hora de cada viagem. De qualquer h às nenhuma viagem sairá a mais de 10 €, mesmo que dure das 7h às 24h.

Se já fores utilizador registado na app ePark (para pagamento de estacionamento tarifado da EMEL) e te registares depois no GIRA, podes partilhar o saldo entre as duas aplicações.


5 – Tens alguns benefícios extra: seguros, e isenção do uso de capacete nas pedelec.

Com a subscrição do serviço de bikesharing em Lisboa vem também a cobertura por um seguro de acidentes pessoais e de responsabilidade civil. Este seguro não é, de todo, obrigatório para condutores de velocípedes, mas é sempre um bónus, principalmente se tens pouca formação e experiência a andar de bicicleta na cidade.

Adicionalmente, a EMEL alega que as pedelec não obrigam ao uso de capacete, isentando os utilizadores deste ónus logístico que inviabilizaria o sistema. Isto não é verdade (em 2013 o Código da Estrada mudou para melhor mas este arcaísmo manteve-se). Mas assim reduzes a probabilidade (já de si baixíssima) de seres multado por não usares capacete ao conduzir uma pedelec [se for essa a tua preferência], ou de veres ser agravada a tua culpa nas consequências de uma colisão – podes sempre mandar a responsabilidade para cima da EMEL. 😉

Quanto a isto dos seguros, e da culpa, já deves saber que prevenir é sempre melhor que remediar. Mais vale uma conta para pagar do que uma estadia no hospital. Deves aproveitar a poupança conseguida com o uso deste sistema para investires mas é em ti próprio/a e nas tuas skills. E não, não é por “andares de bicicleta na cidade há 20 anos” que já não tens mais nada a aprender. 😉

Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal - aulas de condução de bicicleta na cidade
Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal – aulas de condução de bicicleta na cidade

Inscreve-te num dos nossos cursos de condução de bicicleta em cidade (ou pelo menos assiste a algumas palestras), algo que efectivamente te ajuda a manter-te seguro e longe de sarilhos, independentemente de quem os cause. 😉


6 – Ao usares o bikesharing em Lisboa estás a contribuir para o know-how nacional.

Contribuis para uma pool de dados de utilização (horários das viagens, duração das mesmas, rotas escolhidas, etc). Estes dados poderão vir a ser usados para estudos académicos e/ou para afinar políticas públicas de mobilidade. 


Entretanto, claro que o sistema de bikesharing em Lisboa não vai cobrir todas as necessidades nem todos os públicos.

Primeiro, o sistema está interdito a menores de 18 anos. Depois, o uso do sistema depende da utilização de uma app, o que exclui quem não tiver um smartphone [com bateria, mas podes carregá-lo por USB na própria bicicleta, com o andamento].

Além disso, o transporte de bagagem está limitado ao pequeno cesto/plataforma dianteira. A eventual mochila complementar não é a melhor das ideias pois compromete a nossa bolha de segurança e pode agravar as consequências de uma queda, colisão ou, se estiver pesada, até de uma travagem brusca.

O transporte de passageiros (crianças, cães), também não é possível nas GIRA.

O único ajuste que as GIRA permitem é a altura do selim. É “one size fits all” – mas sem stress, para viagens curtinhas a ergonomia e o conforto têm menos peso.

Também não as podemos levar nos transportes públicos para cobrir maiores distâncias. E as estações estão longe de cobrir toda a cidade. Finalmente, entre a meia-noite e as 7h, uma altura em que a oferta de transporte público é reduzida, o sistema fica indisponível.

As GIRA não substituem uma boa bicicleta pessoal, escolhida a dedo para o nosso corpo, necessidades e preferências, mas são um bom complemento!

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As BUGAs a apodrecer

Triste, mas verdade. As cerca de 200 bicicletas do antigo primeiro sistema de ‘bikesharing‘ de 2ª geração em Portugal, as Bicicletas de Utilização Gratuita de Aveiro (BUGA) estão a ressentir-se da falta de investimento da autarquia neste ex-líbris da cidade. As BUGAs há muito que não funcionam como um sistema de bikesharing mas apenas como um conjunto de bicicletas de aluguer gratuito (como as BiCas em Cascais, por exemplo), mas continuam a ser algo associado à imagem turística de Aveiro. E deviam estar associadas à sua rede de transportes públicos, mas mesmo na “cidade das bicicletas” portuguesa a visão política não as vê como os elementos de valor acrescido que são.

Por cá pela capital, nem de 3ª, nem de 2ª nem de primeira geração, parece… 🙁

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A importância do sistema de bicicletas partilhadas em Lisboa

Lisboa tem em desenvolvimento há vários meses (ou serão já anos?) um concurso para a implementação de um sistema de bicicletas partilhadas na cidade, à semelhança de Barcelona, Paris, etc. O processo já tinha chegado ao ponto de selecção de apenas 1 concorrente, contudo, parece ter ficado em águas de bacalhau desde essa altura. Já ouvi falar em questões políticas – necessidade de fazer isto ser aprovado pela Assembleia da Câmara, onde a oposição poderia inviabilizar o projecto, e também em questões financeiras, porque o modelo escolhido ou proposto implicava a contribuição de alguns milhões de euros por parte da CML – cuja situação financeira tem andado nas lonas nos últimos anos. Aguardamos todos por notícias… Preferencialmente positivas, pois só seria aceitável matar o projecto por falta de dinheiro da CML se isso também servisse para deixar de subsidiar manutenção de estradas, táxis, etc, por exemplo. Se os outros modos de transporte, públicos e privados, são subsidiados, porque não as bicicletas públicas?…

Os sistemas de bicicletas partilhadas (a.k.a. bikesharing) fazem hoje parte da oferta básica de transportes públicos de qualquer capital que se preze. Actualmente vão na 3ª geração, e já têm uma história de 40 anos:

  • 1ª geração, 1964, Amsterdão. As bicicletas eram normais mas pintadas de branco, e postas à disposição de quem as quisesse usar, sem custos nem controlo de nenhuma tipo. Não resultou, desapareceram todas em pouco dias.
  • 2ª geração, 1995, Copenhaga. As bicicletas eram adaptadas a uso intensivo e bastante caracterizadas com publicidade. Podiam ser recolhidas e levantadas em vários pontos pela cidade, e funcionavam como os carrinhos de supermercado, depositando uma moeda. Contudo, ainda eram alvo de muitos roubos. O sistema de Aveiro, pioneiro em Portugal, era originalmente deste tipo.
  • 3ª geração, 1996, Portsmouth University (Inglaterra). Este sistema envolvia um cartão magnético que os alunos usariam para alugar uma bicicleta. Este e outros sistemas subsequentes – nomeadamente o 1º numa cidade, Rennes, em 1998, foram progressivamente melhorados com uma série de evoluções tecnológicas a nível da identificação dos utilizadores, pagamento, fixação das bicicletas, recolha e depósito das mesmas, etc.

A história destes sistemas avançou devagar até 2005, ano em que Lyon, a segunda maior cidade francesa, lançou o primeiro sistema de bicicletas partilhadas de 3ª geração de larga escala, Vélo’v, e tudo mudou a partir daí, principalmente depois de Paris ter implementado o seu mega-sistema, Vélib (ver vídeo aqui).

O impacto dos sistemas de bikesharing

Os sistemas de bicicletas partilhadas constituem uma mais-valia para o desenvolvimento de uma política para a mobilidade em bicicleta de uma cidade, e Lisboa precisa urgentemente de elaborar e implementar um bom plano de mobilidade em bicicleta.

(Fonte: mobiped.)

1) aumento do número de ciclistas / viagens feitas em bicicleta

É a maneira mais eficaz de pôr muito mais gente de repente a andar de bicicleta nas ruas, aparentemente (no sistema de Lyon 96 % dos utilizadores não usavam bicicleta no centro da cidade anteriormente) – bom, isso e as portagens urbanas…

(Clique para aumentar. Fonte: mobiped.)

Isso é bom porque dá mais visibilidade aos ciclistas, torna a experiência de andar de bicicleta uma referência cultural mais comum, o que se repercutirá, com o tempo, em maior segurança para todos os utentes do espaço público, e num melhor aprovisionamento das necessidades de quem anda de bicicleta, e em mais gente a andar de bicicleta (só 30 % do tráfego de bicicletas em Paris é em Vélibs, o resto são bicicletas particulares). As dores de crescimento iniciais são as infracções no trânsito, os conflitos entre ciclistas e outros condutores e entre ciclistas e peões, e os acidentes – isto ultrapassa-se com formação e campanhas de sensibilização e educação, e adaptação das ruas da cidade às necessidades e particularidades do trânsito em bicicleta (nomeadamente, permeabilidade máxima), e acalmia de tráfego automóvel.

Aqui há tempos analisei o efeito do Vélib no número de ciclistas em Paris, para provar a tese de que não foram as “ciclovias” parisienses criadas nos últimos anos as responsáveis pelo aumento das viagens em bicicleta, como frequentemente é dito, mas sim o sistema de bikesharing e outros eventos que levaram as pessoas a experimentar a bicicleta.

Fazendo uma análise não-exaustiva do estudo de mobilidade em Paris em 2008, página 11, gráfico da “evolução anual das infraestruturas cicláveis lineares” (isto inclui várias coisas, abertura de ruas de sentido único às bicicletas em contra-sentido, abertura de corredores BUS às bicicletas, “ciclovias”, etc), e página 12, gráfico do índice de evolução anual do número de bicicletas em circulação, combinado com os estudos similares de 2003 e 2006  (os únicos que encontrei publicados), fazendo umas tabelas e umas contas:

Em termos de aumentos anuais:

Considerei os valores do estudo de 2008 (o n.º de Km de vias até 2003 tem valores diferentes entre 1997 e 2003 no estudo de 2003…).

Daqui não salta à vista uma correlação forte que possa indiciar uma relação de causalidade entre “vias cicláveis” e número de ciclistas. Seria interessante poder comparar também a evolução de parques para bicicletas, campanhas de educação e formação de ciclistas, criação de zonas 30, a situação económica, as mudanças demográficas, etc. E, claro, poder desacoplar os vários tipos de “percursos cicláveis” criados (é diferente o design actual na Holanda e o design actual em França, como é diferente o seu contexto: recuperar utilizadores vs. angariar novos utilizadores para a bicicleta).

Há 3 anos cuja discrepância nestes pares de valores é acentuada: 2001, 2003 e 2007:

  • 2001: lei publicada em Janeiro levou à abertura dos corredores BUS às bicicletas (desconheço o impacto efectivo que isto poderia ter tido porque não sei quantos Km de corredores BUS havia para abrir, mas sei que no final de 2003 eram 118 Km, dos quais 47 Km com mín 4.5 m de largura; no final de 2007 eram 129 e 61, respectivamente). De repente, as “vias cicláveis” cresceram 42 %, mas o número de ciclistas só cresceu 6 %. Não houve nada a empurrá-los para experimentarem essas “novas vias cicláveis”.
  • 2003: n.º de ciclistas aumentou 33 % enquanto as “vias cicláveis” cresceram apenas 9 %. As greves nos transportes públicos serão provavelmente a maior causa deste aumento. Independentemente de terem medo ou não de andar na estrada, não tinham alternativas melhores, pelo que se fizeram à estrada, de bicicleta. No ano seguinte o n.º de ciclistas não desceu para os valores anteriores, e as infraestruturas só aumentaram 4 %, o que indicia que as pessoas experimentaram e gostaram, e por isso optaram por continuar com a bicicleta, esquecendo a desculpa do “medo”.
  • 2007: n.º de ciclistas aumentou 31 % enquanto as “vias cicláveis” cresceram apenas 8 %. A entrada em funcionamento do sistema de bikesharing Vélib será provavelmente a maior causa deste aumento. Neste caso as pessoas não foram empurradas para as bicicletas porque as alternativas ficaram de repente muito piores, mas sim porque de repente surgiu uma alternativa melhor do que o habitual. As Vélib tornaram o acesso e utilização da bicicleta *fácil*. Colmatou lacunas de ordem prática: quem recorre às Vélib não tem que ter espaço em casa para ela, não tem que procurar muito por estacionamento (é omnipresente), não tem que se preocupar com roubos, nem tem que despender obrigatoriamente dinheiro algum (na aquisição ou manutenção da bicicleta), e a bicicleta não condiciona em nada quando tem que recorrer à multimodalidade com os TP (ou outros). Além disso, com as Vélib de repente havia bicicletas por todo o lado, à mão de semear, o que despoletou o passo chave na adopção da bicicleta: experimentar (sem compromisso). Mais uma vez, o medo foi um factor facilmente ultrapassado. Gostava de saber como evoluíram estes valores em 2009, mas infelizmente parece que não foi ainda publicado esse estudo.

A impressão geral que eu tenho, pessoalmente, é que são os ciclistas a pedir e/ou a despoletar a criação de infraestruturas “cicláveis”, e não estas a originar mais ciclistas (haverão concerteza excepções que apenas confirmarão a regra).

2) aumento da atractividade e eficiência do transporte público colectivo

As bicicletas – partilhadas e particulares – são muitas vezes usadas para percorrer as pequenas distâncias entre casa e a paragem de autocarro ou estação de comboio, por exemplo, ou entre estes e o local de destino, mal servidas de transportes públicos, ou não servidas de todo, o que aumenta o alcance e a conveniência do sistema global de transporte público. Principalmente fora das horas de ponta e ao fim do dia e noite, e nos movimentos pendulares, especialmente os mais longos (em que a bicicleta sozinha deixa de ser tão competitiva).

Isto permite manter os novos utilizadores do sistema de bikesharing – um sistema de transporte público individual – clientes dos transportes públicos colectivos (93 % dos utilizadores do Velo’v são também utilizadores dos restantes TP), e talvez angariar novos clientes. Por outro lado, é expectável que também se percam alguns clientes, principalmente para as pequenas deslocações e os ‘errands‘ durante o dia (50 % das viagens no Velo’v eram antes feitas em TPC, 51 % no Bicing e 65 % no Vélib – fonte: ICE), mas o mais provável será que haja menos viagens em TPC mas sem grande diminuição nas receitas (pessoas continuam a comprar o passe, quando não o usam no metro e etc usam o bikesharing, receita igual mas menos passageiros – melhor para quem fica, menos apinhado). Em Lyon, a perda de utilizadores dos TPC é baixa pois muitos utilizadores do sistema mantêm o passe ou compram bilhetes individuais para outras deslocações, e 10 % de todos os utilizadores do Vélo’v usam o sistema conjugado com os TPC em viagens multimodais.

3) diminuição do número de deslocações feitas de carro particular

Das viagens feitas no sistema de bikesharing, 7 % eram anteriormente feitas de carro ou mota particular em Lyon, 10 % em Barcelona e 8 % em Paris (fonte: ICE). Isto reflecte-se numa mudança modal do carro particular para a bicicleta insignificante, e a diminuição de poluição, ruído e afins será provavelmente nula ou até negativa se considerarmos que a operação do sistema implica várias carrinhas e afins a reordenar as bicicletas nas estações (levá-las de onde se acumulam para onde escasseiam) todos os dias…

4) diminuição do número de viagens feitas a pé

Os sistemas de bikesharing têm um efeito negativo: fragilizam a cultura pedonal das cidades. Em Lyon, 37 % das viagens no Velo’v eram anteriormente feitas a pé, em Paris, 20 % e em Barcelona 26 % – fonte: ICE). Do ponto de vista individual, do peão, este consegue optimizar os seus tempos de deslocação, mas o andar a pé é fundamental numa cidade próspera, segura, e aprazível, e o único modo de mobilidade verdadeiramente universal. Ao reduzir ainda mais a proporção de deslocações feitas a pé (já em diminuição à medida que tem aumentado o uso do automóvel), a pressão para o adequado aprovisionamento de condições para andar a pé com níveis aceitáveis de acessibilidade, conectividadede, conforto, etc, reduzem-se ainda mais, ao haver um desvio de recursos para servir as necessidades dos modos dominantes: o automóvel, e agora cada vez mais as bicicletas.

Isto é também uma consequência do sistema de preços dos serviços de bikesharing, que privilegia os percursos curtos. De facto, as distâncias médias das viagens são inferiores a 3 Km, em Lyon são de 2.49 Km, a velocidade média de 13.5 Km/h, e o tempo médio das viagens é de 14.7 min.

Qual a importância e o efeito dos sistemas de bikesharing na distribuição modal nas cidades onde são implementados?

  • em cidades com pouco uso do automóvel (ex.: Paris), o potencial de desvio modal do TPC e do andar a pé para o bikesharing é maior do que do automóvel para o bikesharing
  • o efeito do desvio modal carro –> bikesharing, mesmo que pequeno, é mais sentido em cidades com centros muito densos (ex.: Paris)
  • o sistema de bikesharing permite retirar espaço dedicado ao automóvel (nomeadamente, usando lugares de estacionamento para colocar as estações)
  • facilmente se aumenta a % de viagens em bicicleta (ex.: em Paris mais que duplicou)
  • o principal efeito é a diminuição global da % de viagens feitas a pé, que é visível – nos carros, dada a elevada % de partida, é insignificante, e nas bicicletas, dada a insignificante % de partida, o aumento é elevado mas o resultado global ainda é pouco expressivo

Conclusões

Os sistemas de bikesharing bem implementados aumentam significativamente o número de pessoas novas a adoptar a bicicleta no seu quotidiano – usando bicicletas da rede ou bicicletas particulares. Porquê?

O bikesharing tira da equação os inconvenientes do uso de bicicleta própria:

  • o compromisso que implica o investimento inicial na compra da bicicleta
  • a necessidade de ter que passar pelo processo de compra da bicicleta (investigar e escolher, etc)
  • a falta de estacionamento prático e seguro em casa e no trabalho, e em todos os outros locais da cidade (serviços e espaços públicos e comerciais)
  • a preocupação e responsabilidade por roubos
  • as obrigações e os encargos: manutenção, reparações, limpeza, (seguros AP/RC?)
  • a falta de flexibilidade devida às pobres condições de intermodalidade e co-modalidade com os TPC

Os sistemas de bikesharing bem implementados não afectam dramaticamente a fatia da bicicleta na repartição modal. Porquê?

O bikesharing não oferece as vantagens do uso de bicicleta própria:

  • poder usar a bicicleta mais adequada às nossas necessidades e preferências a nível de conforto, usabilidade, performance, capacidade, etc – particulares e empresas, adultos e crianças, famílias, pessoas com necessidades especiais, etc
  • ter sempre uma bicicleta livre garantida (a nossa!) quando precisamos dela
  • poder assegurar que a nossa bicicleta está sempre nas melhores condições de funcionamento (conforto, eficiência e segurança)

O bikesharing não resolve os restantes principais obstáculos à circulação em bicicleta na cidade:

  • relutância natural das pessoas em circular nas vias rodoviárias normais, com o tráfego automóvel, causada por:
  1. “medo dos carros” (medo de acidentes e comportamentos hostis por parte dos condutores de veículos motorizados)
  2. desconforto devido ao ruído e poluição atmosférica, e congestionamento, associados ao elevado número e/ou velocidade dos automóveis
  3. inadequação das vias às características do tráfego de bicicletas – falta de aprovisionamento de rotas curtas e directas (permeabilidade urbana às bicicletas), temporização dos semáforos desadequada, níveis de degradação do pavimento inaceitáveis para bicicletas, falta de sinalização própria, acessos vedados, etc, etc

Assim, uma rede de bikesharing é uma peça-chave para a recuperação da bicicleta como meio de transporte para níveis visíveis, mas não é, de todo, suficiente. Como tal, a sua implementação não pode ser um acto isolado, mas tem que fazer parte de uma estratégia global alargada para a cidade, em que cada acção constrói e beneficia de sinergias com as outras – até para maximizar o sucesso do próprio programa de bikesharing. Essa estratégia global tem que abordar e resolver (ou pelo menos minimizar) os vários factores que, actualmente, constituem um obstáculo e um desincentivo ao uso de bicicleta particular em Lisboa. Estes são razoavelmente consensuais, o que parece levantar polémica é a importância atribuída a cada um individualmente e a eficácia e eficiência das medidas defendidas para os eliminar ou reduzir.